Se o seu sobrenome é Penny e você nasceu no sul do país você é familiar da Clarinda.
Esse é um pequeno resumo do que eu descobri da vida da Clarinda pelo que contam nos jornais…
Essa é a história de Clarinda, mãe de Durval, Juvenal e Nina. É também a história de outras tantas mães negras do Brasil que com carinho e sacrifício criam os seus filhos para que tenham uma vida melhor. Espero que você goste e que comparta a história da Clarinda com os seus filhos e netos, pois conhecer o passado é a melhor maneira de construir um futuro melhor. Este livro é o resultado das minhas descobertas sobre o sobrenome da minha família. Se o seu sobrenome é Penny e você nasceu no sul do Brasil você é familiar da Clarinda.
A nossa história começa em
1881
Na cidade de Pelotas, província do Rio Grande do Sul.
Clarinda tem 15 anos.
Clarinda é uma escrava.
Os seus proprietários eram a Dona Francisca da Conceição Crespo e o seu marido André Luciano Crespo.
No dia 26 de fevereiro de 1881 Clarinda ganha o prêmio da Loteria do Monumento Ipiranga.
O Prêmio da Clarinda
Antes da abolição, era normal que um escravo comprasse os seus últimos anos de trabalho para estar livre antes, e as apostas estavam de moda para conseguir o dinheiro da alforria.
Um grupo variado se juntou nas apostas da Loteria Ypiranga, que tinha um prêmio importante.
Josepha e Clarinda apostaram 1$000 réis e o resultado saiu em fevereiro de 1881.
7 ganhadores dividiram metade do prêmio do número premiado – 159.885 de 500 contos de réis, 4 eram escravos negros ou pardos, mais dois sapateiros e uma senhora branca.
A outra metade foi para um caixeiro português que vendeu a sua parte e voltou para a Europa.
Previne-se ao Ilmo. sr. juiz de órfãos que a parda Clarinda, a quem coube a sorte de mil contos na loteria do Ipiranga é de menor idade e não foi devidamente representada na transação que fizeram com o bilhete premiado, estando ainda a importância que lhe coube para ser recebida dos srs. Conceição e cia., os quais só deverão entregar a pessoa competente.; por isso é de justiça que se nomeie tutor para este fim.
APERS, Cartas de liberdade, vol. 1, p. 457. A carta de liberdade de Clarinda encontra-se na mesma página.
Clarinda quando ganha o prêmio da loteria tem 15 anos, e aposta com a sua amiga Josepha. As amigas assinam a sua Carta de Liberdade no mesmo dia.
LER A CARTA DE LIBERDADE DE CLARINDA
Carta de liberdade de Clarinda
3 de março de 1881
“Registro de liberdade da escrava de nome Clarinda Crespo, passada por Dona Francisca da Conceição Crespo, como abaixo se declara.
Eu abaixo assinado declaro que pela presente tenho concedido, como de fato concedo, plena liberdade a escrava pertencente a meu casal, de nome Clarinda Crespo, parda, (desta Provincia), mediante a importância constante de um documento que nesta data a libertanda firma, a favor de meu marido André Luciano Crespo, (para) para que a mesma goze de liberdade que lhe é conferida, como se de (ventre) livre tivesse nascido, como lhe (aprume) e convenha, mandei assinar e passar a presente que sai assinada a meu rogo por eu não saber escrever, por Manoel José de Oliveira, em presença das duas testemunhas abaixo assinadas. Pelotas, dois de Março de mil oitocentos e oitenta e um.
Á rogo de Dona Francisca da Conceição Crespo, por não saber ler, nem escrever, Manoel José de Oliveira. Como testemunhas: Henrique de Campos Pereira = Antonio da Costa Peixoto =
(Nada mais se continha) em dita carta de liberdade original, aqui bem fielmente transcrita a qual me reporto com fé: em mão da parte que da a receber, (nesta) abaixo assina.
Pelotas, três de Março de mil oitocentos e oitenta e um.
Eu, Leomidio Antero da Silveira Filho, tabelião subscrevi e assino.
Assinaturas: Leomidio Antero da Silveira Filho
Manoel José D’Oliveira”
Carta de liberdade de Clarinda
3 de março de 1881
Clarinda Crespo se casa com José Morena Penny.
05/12/1881
Clarinda, que tem quase 16 anos, se casa com José Morena Penny com a provável intermediação do Dr. João Chaves Campello, médico presente em muitas cartas de liberdade que era o seu tutor legal nesse momento.
Os seus proprietários eram a Dona Francisca da Conceição Crespo e o seu marido André Luciano Crespo. Mas como ela era menor de idade o médico ficou de tutor e, ao que tudo indica, com uma parte do prêmio lotérico, já que um ano mais tarde quando José Penny toma conta dos bens da esposa recebe Rs 51:971$622 mil reis como saldo do prêmio de Rs 61:713$572 mil réis. Isso que ela não comprou a alforria de ninguém, nem comprou casa, nem aparentemente fez nenhuma extravagância…
1881
Escritura de quitação entre José Morena Penny, por cabeça de sua mulher e o doutor João Chaves Campello, lavrada a folha 61, frente e verso, do Livro 18 do Primeiro Tabelionato de Pelotas, ano 1881-1883, fundo 48, APERS.
05/12/1881
O casamento de Clarinda e José Penny ocorreu dia 05/12/1881, e está registrado no Livro 8 de casamentos da Catedral São Francisco de Paula, anos 1883 a 1886, p. 70, verso, Bispado de Pelotas.
Hotel Penny
15/02/1882
Se inaugura O Hotel e hospedaria Penny, o primeiro hotel propriedade de descendentes de negros do sul do Brasil.
Notícia sobre a compra do hotel:
CORREIO MERCANTIL,
09/03/1882.
Notícia sobre a venda do hotel:
ONZE DE JUNHO,
04/02/1885.
Em março conhecemos a notícia da compra do hotel e da inauguração com o novo nome de Hotel Penny. Tudo feito com o dinheiro do prêmio da Clarinda, agora administrado pelo seu marido.
E com data do ano 1884 encontrei uma carta de liberdade assinada por José Morena Pinny em favor da escrava Donata, pela quantia de 150 mil réis anuais até 1888, ano da proclamação da abolição da escravatura no Brasil.
Não sei se Clarinda contou com os serviços de Donata depois da morte do José. Porque pela data podia ser uma escrava tanto para a família como para ajudar no hotel.
Mas o José Penny parece que não era um bom administrador, porque três anos depois de inaugurar ele vendia a sua parte do hotel.
Hotel Penny
“Aos proprietários d’este acreditado estabelecimento, pedem o obséquio de associarem á limpeza, asseio e ordem que tão rigorosamente têm sustentado, mais promptidão e regularidade no serviço, demasiadamente moroso. Alguns freqüentadores.”
ONZE DE JUNHO,
18/06/1882.
25/11/1886
José se suicida…
Morre afogado no Arroio Santa Bárbara.
Os documentos e o registro na imprensa que deixou o José Morena Penny foi variado. Aparece em 1881 como organizador de apostas com o nome de José da Rocha. Usa o dinheiro do prêmio de Clarinda no Hotel Penny, mas perde o hotel, gasta todo o dinheiro e rouba de uma sociedade que participava.
Mas quem era? Como ele era? Afrodescendente. Isso parece óbvio, mas de qual tipo? Inconsequente? Perdeu dinheiro gastando sem controle? Jogando? Uma das hipóteses que eu imagino é que ele perdeu tudo jogando. Mas para poder perdoar o tataravô eu acredito que ele foi enganado pelos “amigos”. Um complô para roubar o dinheiro da Clarinda e da Josepha? Por que não?
O caso é que ele gastou todo o dinheiro em menos de 4 anos, livin’ la vida loca total e em 1883 ele está morto. Suicídio. Afogado no arroio Santa Bárbara.
Diário de Pelotas
26/11/1886
“Suicidou-se na madrugada de ontem o Sr. José Moreira Penny, há longos anos estabelecido entre nós, com hotel e hospedaria”. Prossegue afirmando que ele havia perdido muito dinheiro e “ainda utilizou 800$ de uma sociedade na qual era tesoureiro. Não tendo como pagar, se jogou no [arroio] Santa Bárbara”.
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1886
Clarinda Crespo Penny tem 21 anos, é viúva e tem três filhos para criar:
Durval, Juvenal e Nina.
19/01/1883
Durval Morena Penny
15/01/1884
Juvenal Morena Penny
1885
Nina Morena Penny
José Morena Penny e Clarinda Crespo Penny tiveram 3 filhos juntos: Durval, Juvenal e Nina.
Clarinda não teve mais filhos, e não posso saber com certeza se o senhor José teve filhos fora do casamento, de qualquer maneira, nenhum conhecido registrado oficialmente.
Pouco sei da infância deles, as primeiras informações são de 1899, quando eles estão estudando na Biblioteca Pública e trabalhando no jornal Arauto, nesse momento Durval tinha 16 anos e Juvenal 15, já eram grandes, mas imagino que começaram a trabalhar com 5 ou 6 anos, que era o normal nessa época.
Sobre a minha tia-bisavó Nina não sei o dia do seu aniversário, mas sei que era muito amada pelos seus irmãos que cuidaram dela até o final.
Não sei como a Clarinda criou os seus filhos. Pode ter sido lavando roupa, uma das atividades mais populares entre as mulheres, ou cozinhando, vendendo quitutes pela rua, trabalhando como ama de casa, limpando, ou qualquer outro ofício disponível para as negras na época.
O caso é que ela conseguiu manter a sua família, todos foram alfabetizados, e os meninos começaram a trabalhar cedo, o que também deve ter ajudado na economia familiar.
Registros
Mesmo que não pareça o nome de Durval, pela data se pode afirmar que esse é o seu registro de nascimento, no dia 19 de Janeiro de 1883.
Esse registro é importante porque revela informação sobre os pais e mães de José e Clarinda.
O José declara que o seu pai é José Morena Penny, mesmo nome que ele assinava, branco, natural da Itália, livre e trabalhador do comércio e a sua mãe era Thereza Maria da Conceição, preta, escrava liberta de José Gabriel de Lima, e os avós maternos são Domingas Crespo, de cor preta, natural da província, solteira e liberta de André Crespo. Pelo sobrenome usado pela Domingas se entende que ela também era escrava da família Crespo.
Outra informação importante é o endereço declarado: Rua General Ozorio número 157 (ou 147). Nesse ano eles já estavam estabelecidos com o Hotel e Hospedaria Penny, não sei se estava no mesmo lugar, mas existe a possibilidade de que esse seja o endereço do Hotel Penny, o que era certo é que era onde eles moravam em 1883.
Aos quatorze dias do mes de Fevereiro, do ano de mil oitocentos e oitenta e tres, neste primeiro Districto de paz da Parochia de São Francisco de Paula, Municipio de Pelotas, Provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul, em meu cartório comparecem José Morena Penny, comercio, marido nesta Parochia com Dona Clarinda Crespo Penny, ambos naturaes desta Provincia, de cor pardos, libertos, residentes nesta cidade á rua General Ozorio numero cento e quarenta e sete (Placa), perante as testemunhas abaixo nomeadas e assignadas disse que: em dita residência, no dia Desenove de Janeiro do corrente anno, as onze horas da noite, sua esposa deu a luz a uma criança de sexo masculino, de cor parda, por baptizar, sendo este o primeiro filho em _____ ___ ___.
São avós paternos do recem nascido José Morena Penny, natural da Italia, branco, livre, solteiro, commercio, e Thereza Maria da Conceiçao, desta provincia, cor preta, liberta de José Gabriel de Lima, e maternos Domingas Crespo, desta provincia, solteira, assim como a paterna, liberta* de André Crespo, de cor preta, sendo todos residentes nesta cidade, menos o avó paterno que é falecido.
Dis a ________ = Domingas Crespo = E para constar fis este termo que conmigo assigna o Declarante e as testemunhas João Antonio Primeiro*, natural de São Paulo, e Fortunato José de Souza, natural esta provincia, ambos de cor parda, livres, oficiaes de Justiça, residentes nesta cidade, depois deste termo os terem lido. Firma escrivão Henrique Alfonse Alves. Escrivão o escrevi e assigno.
Henrique Alfonso Alves
José Morena Penny
João Antônio Primeiro
Fortunato José de Souza
Armando Achylles d’Alvares
Os registros revelam a relação entre Armando Achylles d’Alvares e Clarinda Crespo Penny depois da morte de José Morena Penny. Juntos tiveram pelo menos quatro filhos registrados. A professora Loner coloca um pouco de luz sobre a pessoa pública de Armando Achylles.
“Outro companheiro de lutas de Baobab era Armando Achylles de Álvares, individuo sempre presente em boa parte das diretorias de que Antonio participava. Armando, nascido provavelmente em 1866, era eleitor em 1900 e aparece como vivendo do comércio, com 34 anos e solteiro. Em 1920, quando morre, seu necrológio o coloca como casado com Quilia Álvares e deixando um filho, Hipócrates*. Ele se alistou no Partido Republicano junto com Baobab em 1887 e participa de várias diretorias de associações, estando na Feliz Esperança em 1885, 1888 e também ao final de sua vida, entre 1914 a 1916, estas últimas vezes no cargo de tesoureiro. Usa-se, aqui, a expressão que eles próprios utilizavam naquele momento. Rebate, 20/01/1920. 16 Em 1893 participa com Baobab da chapa reformadora para a Liga Operária, a qual tenta mudar por dentro a entidade, mas perde. Perde também, participando da “chapa radical” para a sociedade bailante Recreio dos Operários, mas na dissidência desta, não parece acompanhar os elementos que saíram (A Pátria, 29/12/1890). Provavelmente, pela pouca participação que teve e pelo cargo menor que ocupou, “empreste” seu nome para a diretoria provisória da Sociedade União Operária Internacional, articulada por Baobab. Armando representa outro tipo de liderança: nunca foi o nome principal, em nenhuma chapa, aparecendo sempre em cargos menores ou de confiança, como tesoureiro. Além disso, demonstra um grande interesse por entidades recreativas, provavelmente sendo sócio de muitas, como era usual naqueles tempos. Assim, é um exemplo daqueles militantes que, em parte participam porque acreditam na união, mas em larga medida também porque nutrem sentimentos de amizade e confiança por outros, como Baobab ou Domingues, e então os apóiam em suas campanhas, pela criação ou fortalecimento de uma ou outra entidade.”
*Parece que a professora Loner nesse momento não tinha encontrado o registro dos 4 filhos que Clarinda Crespo Penny teve com o senhor Armando Achylles d’Alvares.
Registro de nascimento, Pelotas, 1895
56
23 de Janeiro de 1893
Parochia de São Francisco de Paula
Clara Crespo, viuva, de serviço doméstico.
Residente a Rua Santa Casa(?) 43.
Nasceu no dia 21 de janeiro de 1893
Homero Alvares
Pai Armando Achylles d’Alvares, solteiro, chapeleiro, pardo. Sem pais conhecidos.
***
389
Aos Dezessete dias do mes de Maio do ano de mil oitocentos e noventa e cinco, nesta cidade de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul em meu cartório comparecem Armando Achylles de Alvares, solteiro, artista, residente nesta cidade, e presenta as testemunhas abaixo nomeadas e assinadas, dice que em dita – digo – dia a que(?) autthorisado(?) por Clara Crespo Penny, viuva, de serviço domestica, residente a Rua Manduco(?) Rodrigues número Vinte e sete, declarou que aquella no dia quino(?) do corrente, as duas e meia horas da manhã deu à luz a duas crianças gêmeas do sexo feminino, tendo a primeira nascida a hora acima e chama-se Armanda Penny, sendo este o quinto filho que ___ tido, todos sobreviventes. (Avó materna da recém nascida a finada Domingas Crespo, solteira, todas acima de cor parda. E ____ _____ ______ que conmigo assina o declarante e as testemunhas Antonio Julio de Godoy Alomira(?) e Americo da Silva Braga Filho, ambos solteiros, do comercio, de cor branca, residentes nesta cidade, o qual assinam depois de o haver lido, todos dos presente tem(?) naturales deste Estado.Eu Juvenal Augusto da Silva, Es____ juramentando escrevi. Eu Fernando Silva(?), Official de Registro Civil ______.
Fernando Silva(?)
Armando Achylles d’Alvares
Antônio Julio de De Godoy Alomira(?)
Americo da Silva Braga Filho
399
No mesmo dia a maiz(?) do _____ _____ _____ ___ a segunda nascida, as tres horas da manhã e ______ _ __ Clara Penny, sendo este o quinto filho digo, este o sexto filho que tem tido, todos sobreviventes. Avó materna da recém nascida a final Domingas Crespo, solteira, todos acima de cor parda. E para __________ ______ que comigo assina o declarante e as testemunhas Antonio Julio de Godoy Alomira e Americo da Silva Braga Filho, ambos solteiros, do comercio, de cor branca, residente nesta cidade, o qual assignam depois de o haver lido, todos do ____________ naturais deste Estado. Eu Juvenal Augusto da Silva, Escrivão(?) juramentado o escrevi.
Eu Fernando da Silva, Official de Registro Civil o _________.
Fernando Silva(?)
Armando Achylles d’Alvares
Antonio Julio de Godoy Alomira(?)
Americo da Silva Braga
***
368
3 de Maio de 1897
Armando Achylles de Alvares, solterio, artista.
Clarinda Crespo Penny (no registro como Hilaria Moreno Peny)
Residente na Rua Manduca Rodrigues, 33
Nasceu no dia 1 de Maio, Enilia Alvares
Descansa em paz Clarinda
Não posso afirmar o ano exato da morte de Clarinda, a matriarca da família Penny, Aparecem notícias no jornal A Alvorada a partir de 1912, e numa lembranças de 1914, situam a sua morte 12 anos antes, aproximadamente em 1902.
Idolatrada pelos seus filhos, morreu feliz e rodeada de netos e de carinho. Descansa em paz no cemitério de Pelotas junto ao seu marido e os seus filhos.